As perturbações nos suprimentos tem afetado muitos produtos aparentemente básicos há alguns meses. Embora agora seja mais fácil encontrar papel higiênico do que era no início da longa quarentena, outros produtos continuam difíceis de encontrar. Muitos tentam explicar porque [seu produto favorito] ainda não está na prateleira. Vamos aos fatos.
Por exemplo, pense nos lenços umedecidos desinfetantes. Estes produtos estão em todas as listas de como estar seguro durante a pandemia. Isso levou a uma explosão de compras em Fevereiro e Março e as grandes marcas ainda não conseguiram recuperar o atraso. Vale a pena lembrar que ao contrário do papel higiênico, muitas pessoas não mantinham esse produto em casa, além de serem muito mais difíceis de fabricar. O Wall Street Journal resume bem a situação (Why Clorox Wipes Are Still So Hard to Find, Wall Street Journal, 7 de maio).
Os lenços umedecidos desinfetantes não são tão simples de fabricar como o álcool desinfetante para mãos. O processo de produção combina os lencinhos com um produto de limpeza, e as agências reguladoras (EPA nos Estados Unidos) mantêm critérios rígidos para que os produtos de limpeza sejam considerados eficazes para utilização contra a SRA-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19.
E ao contrário do papel higiênico, que é encontrado em todos os lares e as empresas, apenas cerca de metade das casas americanos possuíam o lencinho umedecido antes da pandemia, segundo um executivo da marca Clorox. Isso levou a um pico de demanda ainda mais dramático, uma vez que os atuais utilizadores dos lencinhos consumiram um volume muito maior enquanto novos compradores os procuravam.
O que é que os fabricantes fizeram? Por um lado, eles têm uma variedade limitada (e isso vai se repetir ao longo deste texto). A Clorox, por exemplo, produzia alguns lenços descartáveis/compostáveis que não cumpriam as normas de desinfetantes da EPA. Esses produtos não serão encontrados nas lojas tão cedo. Reduzir a variedade traz alguns benefícios. Primeiro, eliminará a mudança de setup de produção. Ou seja, porque não farão a mudança da linha de produção com frequência, economizam o precioso tempo para trocar aromas, rótulos, volumes, cores, etc. Um segundo benefício é que deverá simplificar a previsão da demanda. Em circunstâncias normais, um fabricante teria de adivinhar qual a procura que existe para cada variante de produto. Eles correriam o risco de ter estoques demais para um produto, e de menos para outro produto. Em condições normais, vale a pena correr o risco pois um cheiro diferente, uma embalagem diferente, ou um volume diferente pode aumentar as vendas. Mas não em período de pandemia. Agora eles vão vender o que colocarem no mercado, pois estamos todos buscando os famosos lencinhos desinfetantes.
Uma reviravolta interessante para a Clorox é que eles estão apostando que isso não é passageiro, e que essa alta na demanda veio pra ficar. Eles estão investindo no aumento da capacidade de produção, o que me parece apropriado!
Outro item que desapareceu foi a farinha. Houve uma explosão na produção de pão em casa, mas há semanas que encontramos farinha e fermento nos mercados. Quem acreditaria que a função de empacotamento da logística estaria por trás disso? (Americans have baked all the flour away, The Atlantic, 12 de Maio).
Esta súbita procura desestabilizou o processo de distribuição da farinha. Na cadeia de abastecimento de alimentos industrializados, levar os ingredientes às pessoas que os querem vai muito além da disponibilidade dos próprios alimentos. Os fornecimentos de trigo têm-se mantido abundantes para as marcas de farinha, porque se envia menos para restaurantes e padarias industriais. Mas as marcas estão competindo entre si para obterem os sacos de papel em que a farinha de consumo é embalada, bem como os caminhões e motoristas necessários para a transportar pelo país. Os sacos de farinha são grandes e volumosos, e têm relativamente pouco espaço nas prateleiras das lojas.
Parte da resposta para as marcas de farinha tem sido uma mudança logística. (The Great American Baking Boom shakes the Upper Valley, Valley News, 1 de Maio):
A empresa deu conta do aumento das vendas enquanto se reequipava: acrescentou turnos e mudou os seus postos de trabalho para acomodar as necessidades de distanciamento social. Transferiu alguns carregamentos do transporte ferroviário para o transporte rodoviário de mercadorias, o que é mais flexível. E expandiu a capacidade do seu website recentemente reestruturado para tratar de mais encomendas.
Basicamente, trocaram custo por velocidade. O trem é uma opção mais barata, mas significará também maiores carregamentos e tempos de fluxo mais longos. A expedição por caminhão será mais cara por cada quilo de farinha, mas significará poder dividir mais facilmente a produção entre múltiplos mercados geográficos.
Finalmente, as massas. Esta tem algumas semelhanças com a farinha, uma vez que ela também começa com o trigo e também tem visto uma queda nas vendas a clientes institucionais. Mas também está ausente nas prateleiras dos supermercados, uma vez que a procura aumentou cerca de 30%. Uma dificuldade adicional em atender esse aumento na demanda é que algumas partes da cadeia de suprimentos produz apenas por encomenda (The Shape of the Pasta Industry, Slate, 14 de Maio).
Muitas fazendas e moinhos já tinham estoques de trigo para macarrão que podiam usar durante as primeiras semanas da crise do coronavírus, segundo James Meyer, CEO da produtora de farinha Italgrani. No entanto, a empresa, que é a maior produtora na América do Norte, teve ainda que aumentar a produção. A Italgrani produz farinha por encomenda: no início de cada semana determina quantos dias o moinho deve funcionar para satisfazer as encomendas das fábricas de massas. Em tempos normais, o moinho funciona 24 horas por dia, cinco dias por semana. Em Abril, a Italgrani passou a funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana.
A logística também tem sido um problema. A Italgrani teve de alugar vagões adicionais. Os fabricantes de massas, assim como as marcas de farinha, tiveram dificuldade em obter a embalagem certa e isso os levou a… reduzir a variedade. Mas o maior problema tem sido manter um número suficiente de trabalhadores:
O maior gargalo que a empresa tem enfrentado é contratar trabalhadores suficientes e colocá-los na linha de produção. A indústria de massas alimentícias normalmente já tem taxas de rotação elevadas, devido às condições de trabalho desconfortavelmente quentes causadas pelas máquinas que secam o produto, e a sua necessidade de mais trabalhadores só tem crescido durante a pandemia. Os procedimentos que a empresa implementou para rastrear o vírus nas pessoas, que inclui controles diários da temperatura e questionários de saúde, também criam um outro gargalo antes de os funcionários poderem chegar nos seus postos de trabalho. O aumento da produção tem sido ligeiramente mais fácil para empresas como esta, que se tornaram cada vez mais dependentes da automatização para tarefas como a mistura de farinha e a embalagem. As máquinas só precisam funcionar por um período mais longo e eventualmente passar por algumas modificações para aumentar o rendimento.
Quais são, então, os pontos em comum nestes exemplos? Todas estas indústrias têm registrado picos de demanda e esses picos são provavelmente transitórios. Embora seja plausível que uma maior procura de lenços desinfetantes possa durar, é difícil acreditar que as pessoas mudarão seus hábitos drasticamente, como cozinhar em casa todas as refeições. Isso favorece métodos de aumento de produção no curto prazo apenas: horas extras e redução da variedade de produtos menos populares.
Esses exemplos também mostram como partes aparentemente triviais do processo (embalagem?!) podem tornar-se constrangimentos inesperados – embora possa não ser muito surpreendente.
Baseado no texto “Where is the [fill in the blank]?” de Martin A. Lariviere, publicado no blog The Operations Room. Tradução e adaptação feitas por Leandro C. Coelho e autorizadas pelos autores exclusivamente para o Logística Descomplicada.